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A visão social do preso


A visão social do preso

O instituto da prisão foi criado também como forma de punir com dignidade. Esse princípio, porém, tem sido desrespeitado no país. recuperação dos detentos depende da garantia de todos os direitos não atingidos pela privação de liberdade. A privação de liberdade tem como objetivo permitir que o indivíduo que ofendeu a ordem pública possa refletir e ponderar sobre o erro e receber do Estado orientações que possibilitem o seu retorno à sociedade. O conceito é recordado pelo coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luís Lanfredi, para explicar por que a Lei de Execução Penal assegura aos detentos todos os direitos não atingidos pela prisão.

Fora do papel, a realidade é outra. Os presos terminam por viver em celas superlotadas, sujeitos a péssimas condições de higiene, a torturas e outras violações, o que coopera para frequentes rebeliões. “A situação é de total abandono”, assinala Lanfredi.

Para a autora do livro Privatização do Sistema Prisional Brasileiro, Grecianny Carvalho Cordeiro, o quadro é resultado de uma soma de fatores. “Além da falta de recursos financeiros para investir no sistema penitenciário, qualquer ideia no sentido de melhorar a situação do recluso é vista com antipatia por parte da sociedade. Some-se a isso ainda a má vontade política e a influência da mídia”, analisa Grecianny.

De fato. Conforme uma pesquisa publicada em 2015 pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 50% dos brasileiros concordam com a frase “bandido bom é bandido morto.

Más condições de saúde nos presídios Em março deste ano, a entidade de direitos humanos Conectas divulgou o documento Viola-ção Continuada: dois anos da crise em Pedrinhas, no qual elenca inúmeros abusos cometidos contra os presos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA).

O relatório mostra presos vivendo em celas insalubres, repletas de mofo e infestadas de ra-tos e baratas. Além disso, eles comem alimentos estragados. Por isso, no horário do almoço, muitas marmitas são dispensadas na lixeira antes que os presos matem a fome. “O odor aze-do da comida misturado ao cheiro de mofo, esgoto e falta de banho dos detentos torna o ambiente irrespirável”, diz o relatório.

As condições vivenciadas em Pedrinhas — comuns também em outras penitenciárias do país, conforme os relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura — refle-tem-se no aumento do número de epidemias e de mortes.

De acordo com o Portal de Saúde, a chance de um detento contrair tuberculose é 28 vezes maior que o da população em liberdade. Os dados mostram que há 6 mil presos com tubercu-lose, mais de 7 mil com HIV, 3 mil com sífilis e 4 mil com hepatite. Em 2014, dos 1.517 óbitos, 56% foram motivados por doenças (veja http://bit.ly/violacao).

Mulheres encarceradas A situação das mais de 37 mil mulheres presas no Brasil consegue ser ainda pior do que a dos homens. Elas passam pelas mesmas agruras do público masculino, mas em um sistema sem a menor infraestrutura para as necessidades do corpo feminino. A quantidade de absorventes íntimos entregue por mês, por exem-plo, é tão pequena que, para conter o fluxo menstrual, é comum que utilizem miolo de pão, observa Nana Queiroz, autora do livro-reportagem Presos que Menstruam.

A gravidez no cárcere é outra adversidade. Sancionada em 2009, a Lei 11.942 assegura às mães presas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência, como acompanhamento médico à mulher e berçários. A legislação estabelece ainda a reserva de ambientes para gestantes e parturientes dentro das penitenciárias. Apesar disso, apenas 32 estabelecimentos femininos têm essa estrutura. Esse número cai para 14 nas unida-des mistas, nas quais se criaram salas ou alas femininas.

“As mulheres (...) precisam sujeitar os recém-nascidos às mesmas condições subumanas em que vivem”, escreveu a jornalista.

A violência institucional As informações sobre torturas cometidas no interior das prisões são escassas. Com exceção dos vazamen-tos de vídeos na internet e dos relatos dos presos a instituições da sociedade civil, os atos de violência física contra os detentos por agentes penitenciários e policiais não são denunciados, por medo de represálias.

“Os presos podem ser extorqui­dos, ameaçados ou sofrer qual­quer outro tipo de violência. Contudo, é bastante possível que nada seja devidamente comprovado, investigado ou averiguado”, diz o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), sobre o Presídio Central de Porto Alegre.

Em um ano, os 11 especialistas do órgão visitaram 33 estabelecimentos penais com o intuito de diagnos-ticar violações de direitos humanos. No Centro de Recuperação Agrícola Silvio Hall de Moura, no estado do Pará, os abusos cometidos vão de destruição de objetos pessoais a espancamentos por servidores.

“Essas pessoas são submetidas a muitas formas cruéis de castigo. O uso de spray de pimenta e cassetetes é uma prática constituída em grande parte das unidades de privação de liberdade”, assegura o perito do MNPCT Lúcio Costa. Para confirmar a veracidade dos relatos, os especialistas utilizam o método de triangulação de informações.

Casos de canibalismo Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, em 2015, um agente da Secretaria de Segurança Pública do Maranhão denunciou aos deputados dois casos de canibalismo que teriam acontecido dentro do Complexo Penitenciário de Pedrinhas em 2013 e 2014.

De acordo com o agente, os detentos Rafael Alberto Libório Gomes e Ronalton Silva foram vítimas da fac-ção criminosa Anjos da Morte. O corpo esquartejado de Rafael foi encontrado enterrado na calçada entre as celas e as vísceras, cozidas em salmoura e servida aos algozes. O corpo de Ronalton, no entanto, nunca foi encontrado. Mas especula-se que ele também tenha sido vítima do mesmo ritual macabro.

Em nenhum dos dois casos foi aberto qualquer procedimento investigatório por parte do poder público do Maranhão no sentido de buscar a autoria do crime, constatou o relatório final da CPI. A comissão parlamentar de inquérito censurou a omissão (veja http://bit.ly/cpi-prisao).

Visitas íntimas Em muitos estabelecimentos, o local adequado para a prática de sexo é insuficiente para a quantidade de presos. De modo que as relações acontecem no interior das próprias celas, por trás de improvisadas divisó-rias de lençóis. O ato acontece simultaneamente, conforme o número de camas disponíveis, sem as mínimas condições de privacidade e dignidade e com alta rotatividade. Há relatos, inclusive, de visitas íntimas que se dão no mesmo horário das visitas sociais e, por essa razão, são presenciadas por crianças, segundo o relató-rio da CPI do sistema carcerário. No código oculto do cárcere, as mulheres são objeto de barganha. Esposas, mães e irmãs podem ser concedidas a presos de maiores escalões em troca de dívidas de drogas e proteção.

A ação das facções Em fevereiro, a Delegacia Especializada em Narcóticos (Denarc) do Rio Grande do Norte decretou a prisão de 30 pessoas suspeitas de integrar uma associação criminosa. Desses mandados, 13 foram cumpridos den-tro dos próprios presídios da região. Esses indivíduos são apontados como os mandantes dos delitos, aco-bertados por agentes penitenciários.

A história configura um típico caso de líderes que comandam crimes de dentro de complexos penitenciá-rios com a ajuda de autoridades em todos os níveis e esferas do poder. Segundo o sub-relator da CPI do Sistema Carcerário, deputado Major Olímpio (SD-SP), nos últimos 12 anos, com o aumento da precariedade das estruturas físicas e com a desvalorização dos profissionais do sistema penitenciário, os estabelecimentos prisionais passaram a ser controlados pelos próprios presos, organizados em facções e grupos criminosos.

“As lideranças fazem acordos, inclusive, com diretores de presídios, que cedem ‘facilidades’ em troca de ausência de motins”, disse.

As facções movimentam atualmente mais de R$ 16 milhões por mês, segundo o Ministério Público. São especialistas em tráfico de drogas, sequestros, lavagem de dinheiro, assaltos a bancos, roubos de veículos, cargas e transporte de valores.

Consequências da escravidão Refletir sobre o racismo no Brasil é situar-se dentro da grande e eloquente trajetória da escravidão no Brasil, que fomentou uma narrativa histórica pautada na subordinação econômica do negro brasileiro. A escravidão no Brasil foi majoritariamente negra, ainda que os indígenas tivessem sido utilizados na mão-de-obra escrava, foi o negro o grande destinatário do trabalho compulsório.

Disso resultaram consequências que vislumbramos até os dias atuais. Em grande parte, consequências geradas no mais alto desrespeito na condição humana desses sujeitos, “de modo que uma pessoa ou um grupo de pessoas podem sofrer um dano real, uma distorção real, se as pessoas ou a sociedade que os rodeiam lhes devolvem como reflexo uma imagem restritiva, degradante ou depreciável de si mesmos”[2].

Direitos Humanos Os direitos humanos como movimento contramajoritário e da busca da proteção e emancipação de todos os seres humanos dos grilhões da opressão e de toda ideologia desumanizante é tarefa ingrata e desgastante. A primeira dificuldade enfrentada diz respeito àqueles setores que são reconhecidamente necessários para o avanço da democracia, mas que, preocupados com a alta da audiência, acabam por transigir com as fontes do racismo no Brasil. Um exemplo conhecido de todos é o comportamento de uma parcela significativa da nossa mídia que explora a violência contra os negros no Brasil de maneira a naturalizar o genocídio da população negra.

Um outro aspecto é a intransigente postura dos governos que se sucedem no Brasil, que invariavelmente aplicam políticas longe ainda da real necessidade da população negra no Brasil.

Muitos dos esforços no Brasil para efetivação dos direitos humanos apresentam características assimétricas, ao estabelecerem prioridades alienígenas à nossa realidade, ou mesmo equivocadamente quando apresentam a origem das violações dos direitos humanos em um tempo e espaço histórico seletivo.

Por exemplo, a trágica experiência da ditadura civil-militar de 64, ignorando sub-repticiamente os verdadeiros fatores determinantes de desigualdade social e as implicações na cultura da violência no Brasil, que, sabidamente tem na escravidão a instituição que mais moldou nossa realidade social, seja nos costumes, seja na forma como as instituições atuam, especialmente para a vocação para a promoção da desigualdade social.

Isso fica evidente na situação escandalosa das nossas universidades federais até bem pouco tempo atrás (hoje, felizmente, mais da metade das vagas é destinado às escolas públicas), onde a maioria dos beneficiários eram os mais privilegiados do ponto de vista econômico (pagavam os cursinhos mais caros), ganhando do Estado um prêmio para manterem e até aumentarem a desigualdade social, próprio de um liberalismo anacrônico e marcadamente com as ideias fora de lugar.

Para Schwarz: “As ideias estão no lugar quando representam abstrações do processo a que se referem, e é uma fatalidade de nossa dependência cultural que estejamos sempre interpretando a nossa realidade com sistemas conceituais criados noutra parte, a partir de outros processos sociais”

Racismo Institucional No entanto, o caso mais dramático é o tratamento dado pelo nosso sistema penal, que, de conhecimento de todos, remonta às mesmas práticas seletivas do período escravocrata, reforçando um conceito então muito utilizado nos dias atuais, o racismo institucional.

O racismo institucional desanda nas suas formas mais perversas, e sendo a mais conhecida e festejada pelos altos índices de audiência dos jornais brasileiros é aquele que trata da matança sistemática dos jovens negros brasileiros. A invisibilidade do ser humano negro no Brasil tem tons dramáticos quanto tratamos do perfil homem, negro e jovem.

O que ocorreu com Michael Brown, morto por um policial identificado como Darren Wilson na pequena cidade de Ferguson, ocorre diariamente em vários cantos de nosso país. Infelizmente, a repercussão que se deu nos Estados Unidos não é a mesma aqui no Brasil. Nosso país passou por um processo de naturalização da situação precária e indigna do jovem negro brasileiro.

Mesmo instituições respeitáveis, como as faculdades de direito no Brasil, que teriam que ser as primeiras a realizar discussões e pesquisas acadêmicas sobre este trágico fenômeno, preferem manter na pauta temas que pouco tocam a realidade brasileira, embora tenhamos algumas louváveis exceções.

Com isso, as faculdades de direito no Brasil entram na triste convergência do racismo institucional e cumprem com as demais instituições a sua função de ofuscar a prioridade do tratamento do genocídio dos jovens negros brasileiros. Seja pela omissão, seja pela ação, as faculdades de direito, na sua maioria, silenciam quanto a um problema sério de violação de direitos humanos.

Outra faceta do racismo institucional é a margem da ausência de respeito e do reconhecimento dos cotistas nas universidades e instituições brasileiras, como forma de inviabilizar as políticas de ações afirmativas, que, infelizmente tem se mostrado ineficiente na administração das consequências e das formas de indiferença que enfrentam os cotistas quando da admissão em uma vaga da universidade ou pela nomeação em um cargo público.

Já existem muitos casos, onde os cotistas são postos em setores onde a remuneração e a visibilidade são menores que em outros setores. O cotista no serviço público, muitas vezes é castigado por ter entrado pelo sistema das cotas raciais.

Outra faceta do racismo no Brasil, e mais uma vez atrelada a uma variante reconhecidamente de origem negra no Brasil, é o que está acontecendo com as religiões de matriz africana[6]. Por exemplo, existem canais abertos de televisão que receberam uma concessão constitucional e que utilizam esses mesmos canais para propalar o racismo religioso contra os praticantes das religiões de matriz africana no Brasil.

Temos casos reveladores do processo de destruição da cultura religiosa negra no Brasil. Infelizmente, este processo está tão adiantado, que hoje temos representantes dessas facções religiosas legislando em diversos níveis legislativos pelo País, buscando o fim da diversidade religiosa no Brasil.

Contribuindo para a permanência do racismo no Brasil, temos a equivocada estratégia de uma parcela significativa da população negra através das suas lideranças em tratar os problemas relativos à desigualdade social enfrentada pelos negros, adotando uma abordagem meramente culturalista, não se dando conta que, com isso, mantém a acomodação e a subordinação de uma parcela muito significativa da população negra brasileira (Telles).

A estratégia que entendemos a mais adequada é a centralidade do problema da renda do negro e da negra. É neste quesito onde reside os maiores obstáculos para o combate da desigualdade social no Brasil. Não adianta termos inclusão cultural, sem uma inclusão de renda.

O Brasil é sabidamente um país tolerante, ainda que longe do ideal, com as manifestações culturais dos negros, especialmente quando comparado com os Estados Unidos. No entanto, diferentemente dos Estados Unidos, os negros no Brasil estão à margem da renda.

A situação é tão sui generis, que, se caminharmos por um bairro na cidade de Porto Alegre, composto majoritariamente por população negra, raramente encontraremos os donos dos estabelecimentos comerciais sendo negros. Este é um exemplo claríssimo do equívoco da estratégia de combater o racismo pelo viés culturalista.

Enfim, com a aproximação do 20 de novembro, quando as manifestações no Brasil geralmente se concentram na abordagem cultural do problema racial,deveríamos também exigir uma participação efetiva da população negra na renda do país. Não podemos mais adotar a estratégia de inclusão cultural com a exclusão de renda.

Juntamente com essa mudança de estratégia, é necessária uma cobrança sistemática de todas as instituições brasileiras, para que ocorra uma profunda mudança de abordagem na relação que as mesmas têm com os negros.

A religião de matriz africana, o jovem negro, os cotistas, as mulheres negras são vítimas preferenciais de um conjunto de instituições do nosso incipiente sistema democrático brasileiro. Logo, o caso central de violações de direitos humanos no Brasil é o que trata das relações raciais no País.

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