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Trinta anos de história e natureza da REBIO Tinguá


REBIO Tinguá

Encravada na Serra do Mar, no Sudeste Brasileiro, a Reserva Biológica do Tinguá vem cumprindo papel fundamental ao longo de nossa história. Sua área territorial compreende 24 mil hectares de Mata Atlântica ombrófila, fazendo limites com Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Petrópolis e Miguel Pereira. Ela é identificada como importante bacia produtora de água potável, desde os tempos do Império. Foi em 1880 que o Imperador D. Pedro II inaugurou a rede de captação que levou, em poucas semanas, a água das nascentes de Rio d’Ouro, Xerém, Jaceruba e Tinguá até a capital, o Rio de Janeiro, que padecia de uma enorme seca provocada pelo desmatamento da Floresta da Tijuca. O engenheiro Paulo de Frontin foi o responsável por essa façanha, realizada pelo braço negro escravo.

Anos após a queda da monarquia, em 1941, criou-se a primeira unidade de proteção ambiental que se tem notícia naquela região. O governo Getúlio Vargas decretou a Serra do Tinguá como “Floresta Protetora da União”, visando a proteção integral de seus recursos hídricos. Um total de 32 aquedutos e represas de captação de água dão bem a dimensão da grandeza e importância para o abastecimento, atualmente servindo a Baixada Fluminense e aproximadamente 60% de seu manancial direcionado à população do Rio de Janeiro, como uma das bacias hidrográficas contribuintes do rio Guandu (a outra provém do Rio Paraíba do Sul).

Em 1989, após expressiva mobilização popular organizada e liderada por ambientalistas e moradores da região, com o apoio de universidades como a UFRRJ e a UERJ, além de sindicatos e entidades da sociedade civil da Baixada Fluminense, o governo José Sarney, através de um decreto federal datado de 23 de maio de 1989, transformou o Tinguá em Reserva Biológica, cujo objetivo foi e continua sendo a proteção de amostra representativa da Mata Atlântica e demais recursos naturais nela contidos, com especial atenção para os recursos hídricos, além de proporcionar o desenvolvimento de pesquisas científicas e projetos de educação ambiental.

Tal medida do governo federal de então acabou por tornar a Rebio-Tinguá a primeira e única Unidade de Conservação do país criada a partir da vontade e do protagonismo da ação popular, expressa no movimento intitulado “Pró Reserva Biológica do Tinguá” ocorrido há 30 anos e que reuniu 10 mil assinaturas num abaixo-assinado encaminhado ao governo. Um feito inédito. Já naquele momento, o povo rechaçava a ideia de um “parque nacional” na região, proposta patrocinada por grupos econômicos interessados em transformar a floresta do Tinguá numa espécie de “balneário ecoturístico”, direcionado a pessoas de alto poder aquisitivo.

Duas razões básicas justificaram a opção da sociedade civil organizada pela Reserva Biológica em Tinguá: a primeira foi a questão dos recursos hídricos, representada pela presença, em seu interior e no entorno da UC (unidade de conservação) das represas e aquedutos da época do Império, e que até hoje funcionam no sistema de abastecimento da empresa estatal CEDAE. Por seu formidável potencial hídrico, a Rebio-Tinguá foi classificada, em 1993, pelas Nações Unidas (via UNESCO), como Patrimônio Natural da Humanidade, na categoria de Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (documento da UNESCO em link anexo). A outra justificativa não menos importante referia-se à presença de duas linhas de oleoduto e uma de gasoduto da Petrobras, que atravessam grande parte do subsolo da floresta, constituindo-se em grave risco de incêndio e poluição para aquela região.

Na época, os defensores da Reserva Biológica asseguravam que não eram contrários à visitação pública no interior daquela Unidade de Conservação, desde que a mesma fosse realizada para fins de educação ambiental. Até hoje, pesquisadores, alunos de diversas escolas, grupos familiares e pessoas comuns têm podido visitar o interior da Reserva Biológica do Tinguá, com expressa permissão das autoridades ambientais daquela UC, hoje subordinada ao ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão do governo federal que sucedeu o Ibama na gestão de parques e reservas do país.

Outros aspectos importantes também confirmaram e reforçaram a tese da necessidade de transformar o Tinguá em área de uso restrito. A descoberta, em 1965, do menor anfíbio do mundo, o sapo-pulga, feita pelo pesquisador Eugênio Izecksohn da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A madeira tapinhoã, a bromélia e o mineral tinguaíto, endêmicos na região, também confirmam a exuberância e a riqueza de sua biodiversidade. Muitas espécies em Tinguá ainda não foram catalogadas pela Ciência, e outras já se encontram em processo de extinção, como a onça parda.

Já eram comuns, desde antes de sua criação, as práticas criminosas e as agressões contra o meio ambiente dentro e no entorno da reserva. Caçadores, palmiteiros, ladrões de areia, pedreiras clandestinas, passarinheiros e carvoeiros sempre marcaram presença de forma nociva, tanto no saque e predação dos recursos naturais como na destruição da flora e fauna locais, incluindo-se nesse rol algumas preciosas vidas ceifadas. O maior exemplo nesse caso foi o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro, assassinado covardemente por um caçador em 2005 próximo a um dos portões de acesso à Rebio-Tinguá. Seu Júlio, como era carinhosamente chamado na comunidade de Tinguá, era um militante ambientalista e aguerrido defensor da região, que não dava tréguas aos agressores da floresta, denunciando-os às autoridades policiais e ao Ministério Público. Pagou com a vida por seu idealismo e amor extremo pela reserva.

Decorridos 30 anos de sua criação, o inventário de perdas e o quadro de caos e abandono é o cenário dominante na Reserva Biológica do Tinguá, no que tange à sua proteção e conservação. De lá pra cá, a falta de políticas públicas para o meio ambiente é a tônica dos governos que a cada quatro anos se sucedem, demonstrando pouco ou nenhum compromisso com a questão ambiental. A exemplo das demais unidades de conservação do país, a Reserva Biológica do Tinguá sofre com a falta de recursos próprios, uma vez que não possui autonomia financeira e administrativa, estando dependente da verba repassada todo mês pelo Parque Nacional da Serra dos Órgãos. A unidade dispõe de apenas 2 agentes para o trabalho de fiscalização e combate aos ilícitos ambientais, com viaturas circulando em estado precário. Há carências também de equipamentos de radiocomunicação, tornando ainda mais difícil e complicada a tarefa de proteger um patrimônio que é de toda a Humanidade.

Ambientalistas da Baixada Fluminense tem atuado com insistência para anular as manobras de bastidores que vem sendo tramadas para recategorizar e destruir a Reserva do Tinguá. Uma das formas que os defensores da reserva encontraram para combater a ideia foi o recolhimento de assinaturas num abaixo-assinado, da mesma forma que há 30 anos (em papel impresso), e mais recentemente no formato on line, onde se pôde assinar digitalmente em: www.change.org/tingua

A Reserva Biológica do Tinguá, como grande expressão e símbolo de uma conquista ambiental do povo da Baixada Fluminense, segue seu destino. A mesma polêmica que cercou sua criação agora está de volta, e por culpa do governo, que não soube ou não quis dar respostas às imensas demandas sociais e ambientais que se acumulam ao redor daquela Unidade de Conservação. Podemos, sem medo de errar, chamá-la de Amazônia do Sudeste, o nosso pulmão verde da Baixada. Poucos são capazes de avaliar a real dimensão de sua importância no cenário de história, beleza natural e tristeza, reinantes naquele lugar.

Entrevista com Fábio Silva, em 2012.

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